Pesquisar em "Ferino, Mas Doce!!!"

Powered By Blogger

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

O espiritismo e a intolerância “em nome de Deus”



Os textos abaixo foram escritos para a revista "Seareiro" (publicação da Seara Bendita
Instituição Espírita), edição Ano 25 - Nº 154 - Nov/Dez/2017.


O espiritismo e a intolerância “em nome de Deus”

“Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.”

Sylvio Montenegro*

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), através da resolução 217 A III de 10 de dezembro de 1948, já preconizava, em seu artigo 18 (acima), que não se deve praticar a intolerância de crença e, por mais que isso não esteja escrito nela, podemos entender também que este direito não deve ser praticado em nome da supressão do direito à crença de outrem. Caso contrário, pasmem, nos tornaremos tão intolerantes religiosos quanto qualquer outro "intolerantezinho" de plantão.

Não vamos aqui listar dezenas, centenas, infindáveis fatos recentes e passados de prática da intolerância religiosa em nome dos bons costumes e das diversas morais religiosas pelo mundo. Em todos esses fatos, dependendo de nossas morais, com certeza, justificaríamos nossa própria intolerância em nome de nossas “verdades eternas”. Não citaremos nenhum deles porque a questão aqui não trata de casos específicos (que poderemos abordar em artigos futuros), mas sim daquilo que julgamos o melhor não só para nós (moral) quanto para o próximo (o antiético moralismo).

Sim. Para alguns de nós, a certeza de um determinado valor moral é mais do que suficiente para nos colocarmos em condição de, mais do que dar nossa opinião (um direito legítimo, ainda que achemos a opinião alheia um despautério), atacarmos o próximo das mais variadas formas possíveis sob a égide de que sabemos o que é bom para todos.

Ah!!! Também é bom lembrarmos que o direito à crença incluir o de não tê-la e, consequentemente, de não ser obrigado a viver sob o guarda-chuva da crença alheia; isso, segundo ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

Agora... E quando a intolerância religiosa ocorre dentro da própria religião, entre grupos que a praticam em nome de Deus? Como lidar com isso? Entendamos que a intolerância religiosa interna pode se dar desde reprimendas pessoais, com a desculpa de não “expor” o reprimido, até alguns casos de “afastamento pelo bem do próprio afastado”, passando por questões muito mais subjetivas como trataremos a seguir nesta matéria que trata das “verdades espíritas” que, “na verdade”, poderíamos tratar como “verdades de espíritas”.

E, antes de seguirmos em frente, é bom que se diga que uma das grandes discussões do movimento espírita – o espiritismo ser ou não ser uma religião – será tratada em outro texto, à gente, desta matéria.

A subjetividade da intolerância espírita passa por “inocentes” avaliações expostas através de frases iniciadas com, por exemplo: “– Segundo o espiritismo...”; “A visão espírita desse tema...”; “– O espiritismo prega...”; ou ainda (a pior) “– O espiritismo é contra...”.

Frases que muitas vezes são ditas sempre de forma pausada, curta e solene. Porém, convenhamos, são ditas em nome de interpretações pessoais ou de grupos. Isso em nome de um espiritismo que, de verdade, não fecha questões de maneira hermética, mas sim abre o entendimento do espírito humano às diversas formas de utilização do livre arbítrio e suas consequências face à Lei de Causa e Efeito, nem sempre à altura de nossa inteligência e, quiçá, de nossa perspicácia.

A codificação espírita, organizada por Allan Kardec, pode ser lida também de maneira a ser “decodificada”. Um código não vale, necessariamente, por aquilo que contém em seu escrito, mas também por aquilo que está codificado (e precisa ser decodificado) em seu conteúdo.

Afirmações cabais ou categóricas, em nome do espiritismo, demonstram de certa forma, uma intolerância à interpretação alheia e uma incapacidade pontual de irmos além do que compreendemos ou achamos que sabemos.

Alguns dirão que essa argumentação pode “abrir demais” o entendimento espírita, criando uma série de “achismos” e também de diversos ”espiritismos”.

Isso faz sentido. Eles têm razão.

E foi exatamente por isso que Kardec, do alto de sua experiência de pedagogo, perguntou aos espíritos superiores, qual poderia ser o parâmetro moral para que o estudo e prática da nova doutrina não descambassem para uma orgia tanto moral, quanto intelectual. O parâmetro indicado, e adotado, foi o da moral do evangelho de Jesus, que, entre outras práticas da Lei do Amor, preconiza: “Não julgueis para não serdes julgados” (Mateus, VII: 1-2

Neste texto, temos a intenção de mostrar que, em face das possibilidades múltiplas de interpretações doutrinárias, também podemos errar infinitas vezes, mas não devemos atribuir ao espiritismo os nossos parcos conhecimento e suas consequentes e eventuais interpretações.

*Sylvio Montenegro é jornalista, trabalhador da Seara Bendita há 36 anos e,
atualmente, expositor do evangelho e dos cursos básico e de filosofia espírita.



“O espiritismo é contra isso ou aquilo.”

Será? Tem certeza disso?

Ainda existem as tais conclusões definitivas baseadas em informações da observação típica da ciência. Leia a definição por excelência de “O que é o Espiritismo”, segundo o próprio prólogo do livro escrito por Allan Kardec que tem esse mesmo título.

O Espiritismo é, ao mesmo tempo, ciência experimental e doutrina filosófica.
Como ciência prática, tem a sua essência nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos.
Como filosofia, compreende todas as conseqüências morais decorrentes dessas relações.
Pode ser definido assim: “O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.”
(Conclusão do prólogo do livro “O que é o Espiritismo” (1859), de Allan Kardec)

Você leitor, deve estar se perguntando: “O que isso tem a ver com o fato da doutrina ser ou não ser contra alguma coisa?”. Muito simples, como ciência, não cabe ao espiritismo ser contra ou a favor de qualquer coisa. Como ciência experimental, o espiritismo tem a sua essência na observação das relações com os espíritos (repare que espírito também é o princípio que se utiliza de um corpo durante uma encarnação).

E, como filosofia, o espiritismo compreende todas as consequências morais decorrentes dessas relações. Portanto ele não julga os atos de quem os pratica, sendo contra ou a favor. Apenas os analisa e esclarece sobre seus atos e responsabilidades, ou ainda, é claro, méritos.

Ao se colocar contra ou a favor de um ato, ou do pensamento, seu ou de qualquer outra pessoa, o espiritismo feriria um dos princípios básicos dos ensinamentos dos Evangelhos, código de conduta moral adotado pela doutrina: “Não julgueis para não serdes julgados”.

(SM)