Entre o nome e o silêncio: o paradoxo argumentativo de Milly Lacombe
Por Sylvio Montenegro
Quando o nome carrega um crime
Nos textos “Me chame pelo seu nome” e “Vai ser impossível escutar as narrações dos jogos do Santos”, a jornalista Milly Lacombe levanta uma questão complexa e poderosa: qual é o custo simbólico de manter viva — nas camisas, nas narrações e no imaginário esportivo — a lembrança de Robinho, ex-jogador condenado por estupro?
Para Lacombe, o simples fato de o filho carregar o nome “Robinho Jr.” já sinaliza um apagamento progressivo do crime. Um gesto que, ainda que involuntário, acaba por transformar o agressor em símbolo familiar, esportivo, comercial — e, em certos círculos, quase heróico. Ela questiona: a quem interessa esse apagamento?
A força do argumento: ética, emoção e coerência
Milly constrói sua crítica com base em três pilares:
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Apelo ético: responsabiliza clubes, imprensa e torcedores por perpetuarem imagens de ídolos sem contextualizar seus crimes.
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Apelo emocional: usa linguagem direta e sensível ao trauma das vítimas — “A imagem dele é a imagem de nossos abusadores.”
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Apelo à coerência: denuncia a indignação seletiva daqueles que gritam contra o “cancelamento do filho”, mas silenciam diante da violência sofrida por uma mulher.
Trata-se de uma argumentação poderosa, que convoca o leitor à empatia, à responsabilidade coletiva e à memória ativa. Seu posicionamento não é sobre censura, mas sobre contextualização. Ela afirma: elogiar o jogador sem lembrar do crime é uma meia verdade que interessa apenas a quem deseja minimizar a violência.
A crítica ao “diversionismo”
Em sua argumentação, Lacombe acusa os críticos de praticarem diversionismo — um desvio estratégico do foco principal (a violência contra a mulher) para uma comoção paralela, centrada no “sofrimento do filho”. Para ela, isso é jogo baixo. É apagar o crime em nome da comodidade emocional. É blindar o agressor por meio de sentimentos deslocados.
O paradoxo: abrir o debate, mas restringir a escuta
Mas aqui surge um ponto importante. Ao classificar de imediato os argumentos contrários como diversionismo, Milly Lacombe corre o risco de incorrer em um paradoxo retórico.
Ela afirma estar abrindo um debate — sobre ética, memória e justiça —, mas delimita previamente os contornos do que pode ou não ser dito. Ao fazer isso, restringe o espaço do próprio debate que propõe. Ou seja, denuncia o silenciamento seletivo... mas também o pratica, ao deslegitimar parte da discordância como moralmente inválida.
É compreensível que o tema gere reações apaixonadas. A luta por justiça simbólica — especialmente quando envolve violência sexual — exige posicionamentos firmes. Mas quando se deseja dialogar com a sociedade, é preciso também deixar espaço para a complexidade, para as dúvidas, para os dilemas.
Conclusão: um debate que merece maturidade
A crítica de Milly Lacombe é necessária. Ela toca em feridas que o futebol, a mídia e a cultura ainda evitam encarar. Mas ao classificar como “jogo baixo” qualquer tentativa de discutir o uso do nome “Robinho Jr.”, ela arrisca transformar a denúncia em trincheira.
Afinal, se acreditamos, como ela mesma diz, que as pessoas podem mudar, também é preciso acreditar que os debates podem — e devem — ser abertos a escutas diversas. Sem isso, corremos o risco de repetir a lógica que criticamos: a de falar por cima do outro.
Vamos seguir debatendo, com firmeza, mas também com escuta. Porque só assim o nome das vítimas não será mais esquecido.
E para que não cometamos os erros alertados pela autora (esquecimento e apagamento), é sempre bom lembrar que Milly Lacombe é conhecida no meio jornalístico esportivo como aquela que acusou Rogério Ceni de falsificar uma assinatura e, confrontada na sequência por ele próprio, no mesmo programa, disse com todas as letras que não tinha dito o que acabara de falar. E disse também que não tinha provas do que "não dissera" porque apenas havia "ouvido falar" a respeito.