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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Quanto tempo resta a um ser vivente?

Acordei hoje com vontade de conversar com meu melhor amigo: meu pai.

Pensei nele e, ao arrumar coisas antigas para o ano que se inicia, me deparei com o texto a seguir (o título é original), que foi escrito por ele (Sylvio Montenegro Rodrigues - eu sou Junior), provavelmente cerca de 22 anos antes do seu desencarne, em 2002.

Minha irmã, Brigitte, achou o manuscrito, quando arrumávamos os pertences dele, logo após nossas últimas despedidas nesta vida.

Depois deste texto, entre outras coisas, ele ainda teve mais um filho, o Rafael (nascido em 1981), de seu segundo casamento - além da Bri (1960), do Roberto Carlos (1962, citado no texto, que desencarnou com poucos meses de vida - não em decorrência do fato citado abaixo), de mim (1963), e do Alexandre (1970).

Além dos filhos, teve também, ainda em vida, dois netos: Thiago (meu filho) e Diogo (o Dodô, filho do Alexandre).  A Beatriz (Bióca), segunda filha do Alê, já estava "encomendada" quando ele partiu de volta pra casa.

Após seu desencarne, nasceram, pela ordem, a própria Bióca; o Pedro (meu filho mais novo), que aos quatro anos deu um "recado" à tia Bri, que ele havia trazido do "Vô Monte", quando encontrou com ele "antes de entrar na barriga da minha mãe"); o Tato (Tomás), caçula do Alê; e o Luccinha (Lucca), filho único, por enquanto, do Ráfa. 

Procurei manter o texto (que está reproduzido nas imagens deste post) o mais próximo do original e coloquei algumas explicações, em cor diferente, para que o leitor tenha maior entendimento do que ele diz em alguns momentos.

Quanto tempo resta a um ser vivente?

"1 minuto?
1 hora?
1 dia?
1 semana?
1 mês?
1 ano?
5 anos?
10 anos?
20 anos? (no meu caso)

Não se sabe. Agora, estamos lúcidos e vivos.

Daqui a 1 minuto, quem sabe?

Vi pessoas vítimas de derrame cerebral: meu primeiro patrão, Joaquim d'Almeida Vianna, morreu sem recobrar a consciência +- 5 dias após (eu tinha, então, cerca de 11 anos de idade). Isso me marcou profundamente.

Outra pessoa que fez com que eu também pensasse muito a respeito foi a mãe da Diva. Ela não podia expressar aquilo que pensava (como deveria sofrer com isso!).

Depois o Jaime (marido da Diva). Ele esforçava-se para dar a impressão que se comunicava com as pessoas (notei isso comigo, em algumas poucas ocasiões em que o encontrei).

Tio Sylvio (nem eu, nem ele, um outro tio "Sylvio" muito querido e amado de nossa família), em alguns momentos que pude falar com ele, ainda no Largo de Moema, chorava - sem dizer porque, mas pelo que pude notar e entender, pelo pouco que pode fazer por seus filhos (especialmente Ronaldo).

Tio Sadi (o famoso Capitão Sadi) teve, a meu ver, melhor sorte. Morreu em poucos minutos com edema pulmonar - segundo os médicos, não teve o desprazer de ficar inválido ou paralítico.

De certa forma tenho o mesmo medo de ficar paralisado parcialmente (especialmente o cérebro) e não poder me comunicar c/ as pessoas.

Acho preferível morrer.

Uma das últimas vezes que vi tio Sylvio com vida foi no Hospital Oswaldo Cruz. Levei para ele um quadro e um giz na esperança que pudesse escrever e se comunicar. Em vão. Nem só não (introduzi o "não" para dar sentido ao pensamento) pode escrever como também ficou irritado por não conseguir, empurrando com pouca força que dispunha, o quadro negro de sua frente.

Agora estou eu com a mesma situação de medo.

Ter um derrame e não poder dizer às pessoas que as amo.

Portanto, estou aproveitando o fato de estar lúcido e vivo para poder transmitir isso a todos.

Quero que saibam que amo a todos aqueles com quem convivi e convivo. Não tenho nem guardo mágoa de quem quer que seja, mesmo daqueles que disse ter mágoa. Quando assim procedi foi mais por desabafo do que por outro motivo qualquer.

Tenho em minha mente 3 crimes que cometi.

1 - Não agi prontamente no caso do tio Sadi. Demorei algum tempo para chamar a ambulância que talvez o salvaria.

2 - Despreparado, pinguei no nariz do Roberto Carlos um descongestionante nasal (Neosinefrina) em quantidade maior do que seria certo.

3 - Afoguei um canarinho que havia comprado para Brigitte e que a empregada havia quebrado as duas pernas quando limpava a gaiola (sem querer que o animalzinho sofresse mais, afoguei-o).

Eu poderia ficar escrevendo horas a fio sobre o que penso e sinto, mas a essência já foi dita.

Quero, portanto, expressar meu último desejo:

a) Caso tenha derrame cerebral e não possa me comunicar pelos meios normais, como:
1. falar corretamente
2. escrever
3. me expressar por mímica
Tentem, através do contato físico, no peito, nos braços, no rosto, ou qualquer outra parte do corpo, uma espécie de código onde eu possa, pelo menos, dizer SIM ou NÃO. Ok?

b) Caso eu venha ser declarado morto, quero ser:
1. Autopsiado
2. Cremado (desisti da idéia de ser cremado - Syl)

Dessa forma não restará qualquer dúvida. CERTO???

Syl

Escrito em +- 1980?"

Meu pai não teve "derrame cerebral", mas ficou em coma por alguns dias antes de morrer.

Havia dito a nós todos, sempre, o quanto nos amava e nos deixou dizer isso a ele também sempre.

Carinhoso e preocupado, nos ensinou a nunca deixar de nos comunicarmos, principalmente quando estávamos em trânsito para casa, após nos encontrarmos uns com os outros. Havia sempre um código para que soubéssemos que estávamos todos em casa, em segurança.

Após resistir alguns dias na coma induzida, percebíamos que ele estava "querendo dizer alguma coisa" antes de ir.

Não conhecíamos este texto.

Me aproximei dele, toquei seu braço, e perguntei se ele estava preocupado com nosso futuro.

Ele não se mexeu, mas os aparelhos da UTI mostraram que ele se tranquilizou.

Disse a ele que cada um de nós quatro (eu, a Bri, o Alê e o Ráfa), iríamos conversar rapidamente com ele para o tranquilizarmos e ele poder rever seus pais, avós, tios, filho, em paz.

Cada um de nós, separadamente, conversou um pouco com ele e disse como nossa vida era melhor por tudo que ele nos deixou (e não tivemos dinheiro nenhum, ou bens, de herança).

Naquele dia, eu já sabia, ele desencarnaria.

Nem a Brigitte, tampouco o Rafael, poderiam visitá-lo naquela tarde (a conversa se deu de manhã).

O Alexandre já não podia ficar mais aqui, pois já eram muitos dias longe de casa, do trabalho e da família...

Levei-o (o Alexandre) ao aeroporto naquela tarde, para que nenhum de nós carregasse um "peso" bobo de não ter ficado ao lado de nosso pai até o fim. Assim, comigo no aeroporto, ao lado do Alê, o único que poderia tê-lo visto naquela tarde não o veria.

Meu pai desencarnou no mesmo momento que o avião que levava o Alexandre para casa tocou o solo de Lisboa, de onde havia saído, aliás, um século antes, o Senhor Américo, meu bisavô, avô do meu pai, que o criou, já que meu avô, Romeu, morreu prematuramente...

O código estava dado: todo mundo em casa. E ele voltou pra nossa casa espiritual  sossegado.

Autopsiado para não correr o risco, né pai? (rsrs)

Nós continuamos a te amar muito e você faz uma falta danada...





6 comentários:

  1. Ler esse texto me fez sentir aconchego, apenas senti e nao sei definir .

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  2. Chorei um montão... tive medo e agora estou repetindo: "a vida é assim mesmo"...

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  3. Nossa..fiquei emocionada..por vezes ao perdemos alguém muito querido, ainda nos deparamos com pensamentos de que poderíamos ter feito mais..acho que quando no seu caso podemos achar um bilhete tão precioso desse, o coração deve ficar mais leve e a alma sorri. Gratidão por compartilhar algo tão lindo.

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  4. Obrigado pelo carinho do comentário Kátia. Realmente foi uma benção. Um beijo e um feliz 2018!

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