Os textos abaixo foram escritos para a revista "Seareiro" (publicação da Seara Bendita Instituição Espírita), edição Ano 25 - Nº 154 - Nov/Dez/2017. |
O espiritismo e a intolerância “em nome de Deus”
“Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou
crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela
prática, pelo culto em público ou em particular.”
Sylvio Montenegro*
A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), através da resolução 217 A III de 10 de
dezembro de 1948, já preconizava, em seu artigo 18 (acima), que não se deve
praticar a intolerância de crença e, por mais que isso não esteja escrito nela,
podemos entender também que este direito não deve ser praticado em nome da
supressão do direito à crença de outrem. Caso contrário, pasmem, nos tornaremos
tão intolerantes religiosos quanto qualquer outro "intolerantezinho" de plantão.
Não vamos aqui listar
dezenas, centenas, infindáveis fatos recentes e passados de prática da
intolerância religiosa em nome dos bons costumes e das diversas morais
religiosas pelo mundo. Em todos esses fatos, dependendo de nossas morais, com
certeza, justificaríamos nossa própria intolerância em nome de nossas “verdades
eternas”. Não citaremos nenhum deles porque a questão aqui não trata de casos
específicos (que poderemos abordar em artigos futuros), mas sim daquilo que
julgamos o melhor não só para nós (moral) quanto para o próximo (o antiético
moralismo).
Sim. Para alguns de
nós, a certeza de um determinado valor moral é mais do que suficiente para nos
colocarmos em condição de, mais do que dar nossa opinião (um direito legítimo,
ainda que achemos a opinião alheia um despautério), atacarmos o próximo das
mais variadas formas possíveis sob a égide de que sabemos o que é bom para todos.
Ah!!! Também é bom
lembrarmos que o direito à crença incluir o de não tê-la e, consequentemente,
de não ser obrigado a viver sob o guarda-chuva da crença alheia; isso, segundo
ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “Considerando que o reconhecimento
da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos
iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
Agora... E quando a
intolerância religiosa ocorre dentro da própria religião, entre grupos que a
praticam em nome de Deus? Como lidar com isso? Entendamos que a intolerância
religiosa interna pode se dar desde reprimendas pessoais, com a desculpa de não
“expor” o reprimido, até alguns casos de “afastamento pelo bem do próprio
afastado”, passando por questões muito mais subjetivas como trataremos a seguir
nesta matéria que trata das “verdades espíritas” que, “na verdade”, poderíamos
tratar como “verdades de
espíritas”.
E, antes de seguirmos
em frente, é bom que se diga que uma das grandes discussões do movimento
espírita – o espiritismo ser ou não ser uma religião – será tratada em outro
texto, à gente, desta matéria.
A subjetividade da
intolerância espírita passa por “inocentes” avaliações expostas através de frases
iniciadas com, por exemplo: “– Segundo o espiritismo...”; “A visão espírita
desse tema...”; “– O espiritismo prega...”; ou ainda (a pior) “– O espiritismo
é contra...”.
Frases que muitas
vezes são ditas sempre de forma pausada, curta e solene. Porém, convenhamos, são
ditas em nome de interpretações pessoais ou de grupos. Isso em nome de um espiritismo
que, de verdade, não fecha questões de maneira hermética, mas sim abre o
entendimento do espírito humano às diversas formas de utilização do livre
arbítrio e suas consequências face à Lei de Causa e Efeito, nem sempre à altura
de nossa inteligência e, quiçá, de nossa perspicácia.
A codificação espírita,
organizada por Allan Kardec, pode ser lida também de maneira a ser
“decodificada”. Um código não vale, necessariamente, por aquilo que contém em
seu escrito, mas também por aquilo que está codificado (e precisa ser decodificado)
em seu conteúdo.
Afirmações cabais ou
categóricas, em nome do espiritismo, demonstram de certa forma, uma
intolerância à interpretação alheia e uma incapacidade pontual de irmos além do
que compreendemos ou achamos que sabemos.
Alguns dirão que essa
argumentação pode “abrir demais” o entendimento espírita, criando uma série de
“achismos” e também de diversos ”espiritismos”.
Isso faz sentido.
Eles têm razão.
E foi exatamente por
isso que Kardec, do alto de sua experiência de pedagogo, perguntou aos espíritos
superiores, qual poderia ser o parâmetro moral para que o estudo e prática da
nova doutrina não descambassem para uma orgia tanto moral, quanto intelectual.
O parâmetro indicado, e adotado, foi o da moral do evangelho de Jesus, que,
entre outras práticas da Lei do Amor, preconiza: “Não julgueis para não serdes
julgados” (Mateus, VII: 1-2
Neste texto, temos a
intenção de mostrar que, em face das possibilidades múltiplas de interpretações
doutrinárias, também podemos errar infinitas vezes, mas não devemos atribuir ao
espiritismo os nossos parcos conhecimento e suas consequentes e eventuais
interpretações.
*Sylvio Montenegro é
jornalista, trabalhador da Seara Bendita há 36 anos e,
atualmente, expositor
do evangelho e dos cursos básico e de filosofia espírita.
“O espiritismo é contra isso ou aquilo.”
Será? Tem certeza disso?
Ainda existem as tais
conclusões definitivas baseadas em informações da observação típica da ciência.
Leia a definição por excelência de “O que é o Espiritismo”, segundo o próprio
prólogo do livro escrito por Allan Kardec que tem esse mesmo título.
O Espiritismo é, ao
mesmo tempo, ciência experimental e doutrina filosófica.
Como ciência prática,
tem a sua essência nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos.
Como filosofia,
compreende todas as conseqüências morais decorrentes dessas relações.
Pode ser definido
assim: “O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos
Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.”
(Conclusão do prólogo do livro “O que é o Espiritismo”
(1859), de Allan Kardec)
Você leitor, deve
estar se perguntando: “O que isso tem a ver com o fato da doutrina ser ou não
ser contra alguma coisa?”. Muito simples, como ciência, não cabe ao espiritismo
ser contra ou a favor de qualquer coisa. Como ciência experimental, o espiritismo
tem a sua essência na observação das relações com os espíritos (repare que espírito
também é o princípio que se utiliza de um corpo durante uma encarnação).
E, como filosofia, o espiritismo
compreende todas as consequências
morais decorrentes dessas relações. Portanto ele não julga os atos de
quem os pratica, sendo contra ou a favor. Apenas os analisa e esclarece sobre
seus atos e responsabilidades, ou ainda, é claro, méritos.
Ao se colocar contra
ou a favor de um ato, ou do pensamento, seu ou de qualquer outra pessoa, o espiritismo
feriria um dos princípios básicos dos ensinamentos dos Evangelhos, código de
conduta moral adotado pela doutrina: “Não julgueis para não serdes julgados”.
(SM)
Bom discurso, parabéns!
ResponderExcluirUm abraço David, querido!
ExcluirMuito bem colocado, parabéns!
ExcluirBeijo Giane. Obrigado.
ExcluirAdorei o texto, as colocações... Parabéns!
ResponderExcluirObrigado Cleu. Beijos.
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